Tarcísio chegou a ser condenado e preso por grilagem de terras no Distrito Federal e em São Paulo. Mesmo sendo observado de perto por autoridades policiais, conseguiu reunir dois empresários com capital para dar início à exploração da área situada em Sobradinho. Da junção dos três, nasce a Urbanizadora Paranoazinho.
Essa administradora sempre foi vista com desconfiança pelos moradores, muitos dos quais nem sequer sabiam quem lhes batia à porta para cobrar a fatura das glebas. Documentos obtidos pela reportagem não deixam dúvidas sobre o vínculo do trio. Em 2012, sob o comando de JC Gontijo, surge a empresa Desenvolve Participações, que se tornou acionista da Urbanizadora Paranoazinho. Essa empresa, ligada a Gontijo, se declara devedora confessa da dívida da Urbanizadora com Tarcísio. O Instrumento Particular de Confissão de Dívida é datado de outubro de 2013 e, até agora, era mantido sob sigilo.
Nesse mesmo documento, estabelece-se como será o pagamento pela venda das terras reclamadas por Tarcísio. Parte dos dividendos está condicionada à exploração das glebas onde será erguida a Cidade Urbitá, projeto de urbanização já aprovado pelo GDF em uma área de 922 hectares nos arredores dos condomínios já instalados no Grande Colorado. No acordo, a empresa administrada por José Celso Gontijo também se compromete a orientar os conselheiros por ela indicados para o coletivo de gestão da Urbanizadora Paranoazinho a “não aprovar sem anuência prévia e por escrito de Tarcísio Márcio Alonso alteração da referida deliberação tomada pelos membros do Conselho de Administração, sob pena de responder pelos prejuízos que causar a Tarcísio”. O texto não deixa dúvida sobre a ingerência do grileiro na Urbanizadora Paranoazinho.
Troca de e-mails
A participação direta de Tarcísio Márcio Alonso na Urbanizadora Paranoazinho também fica patente em uma troca de e-mails à qual o Metrópoles teve acesso. Na conversa, o nome de José Celso Gontijo é citado.
Em 2012, Tarcísio envia correio eletrônico autorizando um corretor a negociar sua participação societária na Urbanizadora Paranoazinho. Ele informa ter 29,7% dos papéis. No mesmo texto, compromete-se a dar preferência de compra aos também sócios da empresa José Celso Gontijo e Rafael Birmann. O diálogo não evidencia se o negócio fora fechado, mas corrobora a relação de consórcio entre os citados.
Veja os e-mails enviados por Tarcísio que corroboram relação dele com JC Gontijo e Rafael Birmann:
E-mails Tarcísio informando a venda da participação by Metropoles on Scribd
É esse trio que tentou se proteger por trás da figura da Urbanizadora Paranoazinho, que tem investido em receber dos moradores pelas terras um dia já compradas. Com apoio de peso: recentemente, o GDF se prontificou a auxiliar na suposta resolução de um processo que era discutido entre duas entidades particulares (moradores x Urbanizadora Paranoazinho). A entrada do Palácio do Buriti desequilibrou a balança em favor de quem ostenta poder econômico.
“Fui chamado de burro”
O oficial da reserva do Exército Brasileiro Silvério Amorim, 72 anos, recorda-se do dia em que adquiriu o terreno onde vive com a família há 20 anos. “Era setembro de 1993: por indicação de um cunhado, fui à empresa do Tarcísio e negociamos. Ele só aceitava o pagamento em dinheiro. O preço cobrado: 250 mil cruzeiros. Fui ao banco, tinha 253 mil na conta. Saquei o que precisava e levei a quantia em um envelope grande de papel pardo. Entreguei nas mãos dele”, conta.
Amorim guarda toda a documentação.
Fui chamado de burro pelo governador, e é assim que eu me sinto. Fomos todos enganados. O edital é fajuto, só atende aos interesses da empresa. Nós, moradores, que compramos de boa-fé e lutamos por mais de 20 anos pelos nossos direitos, ficamos com todo o prejuízo
SILVÉRIO AMORIM, 72 ANOS
Amorim faz referência ao dia em que próprio Ibaneis Rocha (MDB)intermediou reunião de síndicos dos condomínios do Grande Colorado e representantes da Urbanizadora Paranoazinho. Na época, foi formalizada proposta para que os residentes pagassem, em média, R$ 120 por metro quadrado. Os moradores confrontaram os termos postos à mesa. Ibaneis reagiu com energia, indispondo-se com o grupo. No final das contas, prevaleceu a oferta da empresa privada.
Ao longo das últimas semanas, a reportagem ouviu dezenas de moradores que contam uma história muito parecida à de Silvério Amorim. Todos alegam ter pago pelas áreas, apresentam os documentos e denunciam estarem sendo coagidos a quitar os lotes. Nos últimos anos, centenas de ações referentes às terras do Grande Colorado tramitam na Justiça. A tendência é que as normas da regularização recém-lançadas também sejam alvo de novos questionamentos judiciais.
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Ele conta ter entregado o dinheiro nas mãos de Tarcísio Márcio AlonsoHugo Barreto/ Metrópoles
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O oficial da reserva Silvério Amorim, 72 anos, comprou em 1993 o terreno onde vive com a famíliaHugo Barreto/ Metrópoles
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Ele conta ter entregado o dinheiro nas mãos de Tarcísio Márcio AlonsoHugo Barreto/ Metrópoles
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O oficial da reserva Silvério Amorim, 72 anos, comprou em 1993 o terreno onde vive com a famíliaHugo Barreto/ Metrópoles
80 anos de imbróglio
A indefinição sobre o direito à propriedade inicia-se muito antes da construção de Brasília. Em 1937, registra-se a morte de José Cândido de Souza, dono de uma fazenda de 15 mil hectares até então no ermo Cerrado goiano. A propriedade, batizada de Paranoazinho, passa a integrar o espólio do empresário paulista, que teve 11 filhos e dezenas de netos. O inventário chegou a ter 60 beneficiários.
Confira o acordo dos herdeiros de José Cândido:
Acordo com os herdeiros Fazenda Paranoazinho by Metropoles on Scribd
Enquanto a complicada descendência de José Cândido era definida nos cartórios e tribunais de São Paulo, a nova capital do país foi erguida ao lado da antiga propriedade rural. Outro a vislumbrar a possibilidade de ganhar dinheiro com o local foi justamente Tarcísio Márcio Alonso, que já havia sido preso em 2001 por grilagem na região onde se situa a Fazenda Paranoazinho.
O esquema de venda de lotes na área correu frouxo até Tarcísio ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), em 1998. O grileiro foi condenado a 3 anos de reclusão em regime semiaberto e ao pagamento de multa de 1,8 mil salários mínimos por ter iniciado, sem autorização, a construção de um dos condomínios no Grande Colorado: o Jardim América. A Justiça também entendeu que Tarcísio Márcio Alonso escondeu dos compradores a situação irregular do espaço.
Após a condenação, Tarcísio deixou a capital do país e mudou-se para São Paulo, onde também é investigado por venda irregular de terras. Mesmo longe, ele não deixou de lado os negócios em Brasília. A empresa Companhia de Negócios teria mapeado a área e identificou três oportunidades de negócio que poderiam gerar R$ 12 bilhões de lucro. Eram elas: a regularização dos condomínios já instalados, os valores a serem recebidos pela desapropriação de terrenos feita pelo governo na área – rodovias e um terreno utilizado pela Companhia de Abastecimento de Água do Distrito Federal (Caesb) –, e a chamada Área da Cobra (espaços vazios em que hoje está prevista a construção da Cidade Urbitá).
Confira os mapas:
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Projeto da Cidade Urbitá nas áreas desocupadas da Fazenda Paranoazinho Reprodução
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Área da Fazenda Paranoazinho
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Condomínios dentro da Fazenda ParanoazinhoReprodução
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Projeto da Cidade Urbitá nas áreas desocupadas da Fazenda Paranoazinho Reprodução
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Área da Fazenda Paranoazinho
Em 14 de julho de 2006, a empresa encaminha para Tarcísio a proposta de parceria a fim de gerir e explorar comercialmente todos os quinhões da antiga Fazenda Paranoazinho (confira o documento abaixo). O negócio atraiu outros empresários, como José Celso Gontijo e o ex-bilionário com expertise no mercado financeiro Rafael Birmann. Era o início da Urbanizadora Paranoazinho, atualmente detentora oficial das terras.
No esquema abaixo, anexado em uma troca de e-mails entre Rafael e Tarcísio, os empresários esboçaram, em uma folha, como o negócio seria dividido. Veja:

Confira a íntegra da troca de e-mails:
E-mails Tarcisio e Birman by Metropoles on Scribd
Com o fim do inventário, o grupo, então, compra os direitos dos herdeiros de José Cândido. As terras atribuídas a Tarcísio, as mesmas adquiridas décadas antes pelos moradores dos condomínios na região do Grande Colorado, foram negociadas por R$ 60 milhões.
Em 2013, a Urbanizadora Paranoazinho consegue registrar, no cartório do 7º Ofício, a área de 1,5 mil hectares. Começa, assim, o processo de negociação de 54 condomínios irregulares na região.
O que diz a Urbanizadora Paranoazinho
Ao Metrópoles, Ricardo Birmann, presidente da Urbanizadora Paranoazinho, afirma que a empresa sempre atuou com “responsabilidade, transparência e preocupada com a segurança jurídica”. “Desde que assumimos, temos uma postura de muito rigor. A área estava imersa neste universo de insegurança. Iniciamos o maior processo de regularização fundiária da história”, pontuou.
Birmann reconheceu a participação de José Gontijo no quadro societário da Urbanizadora, mas nega a interferência de Tarcísio nos negócios. “Ele tem dinheiro a receber, mas não participa ativamente das decisões”, explicou.
A Urbanizadora também informou, por meio de nota, que “Tarcísio Márcio Alonso, assim como cerca de 60 outros herdeiros, advogados e cessionários, tinha direitos ao espólio de José Cândido de Sousa, antigo proprietário das terras que compõem a Fazenda Paranoazinho. A partir de 2008, a UP negociou e adquiriu toda a área por meio de inúmeras negociações com esses diferentes herdeiros/cessionários, sempre tomando as precauções legais, sempre por escrituras públicas e sempre com registro em cartório de registro de imóveis”.
“As negociações com Tarcísio Márcio Alonso só concluíram em 2013, quando então a UP adquiriu as áreas atribuídas a ele na sobrepartilha pela Escritura Pública de Compra e Venda mostrada pela reportagem e aperfeiçoada alguns meses depois, transformando os valores que lhe seriam devidos em dinheiro numa permuta para pagamento em imóveis”, continua o texto.
“Há 10 anos, a UP vem realizando todos os procedimentos necessários para garantir um avanço inédito na regularização fundiária local, contribuindo para a recuperação da legalidade urbanística, ambiental e fundiária, não apenas das áreas de sua propriedade, mas de toda Brasília. Dos cerca de 6,5 mil imóveis implantados irregularmente na Paranoazinho, mais de 2 mil famílias já assinaram acordo com a empresa, e quase três quartos dessas já têm sua escritura”, argumenta a Urbanizadora Paranoazinho.
O que diz a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação
Também por meio de nota, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) sublinhou que “o quadro societário da empresa trata-se de matéria de cunho exclusivamente relacionado à Urbanizadora, sobre o qual à secretaria não cabe qualquer juízo, competindo-nos tão somente, nessa fase, a continuidade na análise e aprovação dos projetos urbanísticos a serem encaminhados com base nos critérios estabelecidos entre os particulares envolvidos”.
Sobre a participação do governo na negociação entre terceiros, a pasta destaca ter realizado “a mediação do conflito fundiário que já durava mais de uma década, entre a UPSA e os moradores da região, garantindo a participação de quaisquer interessados em todas as reuniões realizadas, buscando sempre uma solução para a questão fundiária, sobretudo com vistas à efetiva regularização da região”.
“Por fim, importante ressaltar que a adesão à proposta apresentada pela Urbanizadora Paranoazinho não é obrigatória, tratando-se de faculdade dos moradores para que, além de encerrar a discussão quanto à propriedade, a empresa assuma todos os custos inerentes ao processo de regularização legalmente estabelecido, incluídos todos os estudos e compensações necessários, como ambiental e urbanístico, bem como as obras de infraestrutura mínimas previstas para a região e ainda não executadas”, conclui o texto.
O que diz o BRB
O Banco de Brasília (BRB) abriu uma linha de crédito especial para financiar ao pagamento da regularização. A instituição financeira foi questionada sobre a concessão do benefício dentro de uma negociação entre particulares, mas não respondeu a reportagem até a última atualização deste texto.